A minha Cartagena nos tempos de Gabriel Garcia Márquez

Eu conheci Cartagena de las Índia, primeiro, através das palavras de Gabriel Garcia Márquez. A cidade que inspirou o escritor a criar personagens fabulosos num cenário de ambiente quente e passional, engendrou em mim a ideia do romance numa terra distante, colonial, rica e decadente. Com seus casarões e sua cor viva de sol, Cartagena era como uma poesia que se exalava pelas noites quentes da cidade amuralhada.

Cartagena

Gabriel Garcia morou em Cartagena e adotou esta cidade como sua musa inspiradora. Apaixonou-se por este pedaço esquecido do mundo e fez dele seu baluarte mágico de histórias fantásticas. Nunca citou diretamente Cartagena em seus livros, mas sempre se inspirou nos casarões, nas ruas estreitas de pedras e de portas cerradas.

Quando li “O amor nos tempos do Cólera“, naquele começo de 2007, Gabo (apelido do escritor) mostrou para mim a atmosfera de uma cidade portuária caribenha, em que os vapores partiam e chegavam no rebuliço de seus escombros.

“A independência do domínio espanhol, e a seguir a abolição da escravatura, precipitaram o estado de decadência honrada em que nasceu e cresceu o doutor Juvenal Urbino. As grandes famílias de outrora afundavam em silêncio dentro de suas fortalezas desguarnecidas. Nos altos e baixos das ruas empedradas que tão eficazes tinham sido em guerras e desembarques de bucaneiros, as ervas se despenhavam dos balcões e abriam gretas mesmo nos muros de cal e cantaria das mansões mais bem conservadas, e o único sinal de vida às duas da tarde eram os lânguidos exercícios de piano na penumbra da sesta”

O amor nos tempos do Cólera – Gabriel Garcia Márquez

Cartagena

Foi assim que, mesmo adolescente e sem qualquer ideia de como chegar lá, eu decidi que um dia eu conheceria esta cidade. E acho muito interessante especular nos redemoinhos do espírito quanto das palavras imaginativas de um livro contribuem para forjar um ideal de lugar e existência humana. Por exemplo, na passagem a seguir, a ideia de preparar um ambiente para a chegada de uma brisa, faz com que hoje, ao entardecer, eu procure as janelas na expectativa de que os ventos venham…

“nascidos e criados debaixo da superstição caribe de abrir portas e janelas para convocar uma fresca que não existia na realidade, o doutor Urbino e sua esposa sentiram a princípio o coração oprimido pela clausura. Mas acabaram convencidos das vantagens do método romano contra o calor, que consistia em manter as casas fechadas no torpor de agosto para que não entrasse o sopro ardente da rua, e abri-las de par em par aos ventos da noite. A sua foi desde então a mais fresca no sol bravo da Mangueira, e era uma ventura fazer a sesta na penumbra dos quartos, e sentar à tarde no pórtico para ver os cargueiros de Nova Orleans”

 O amor nos tempos do Cólera – Gabriel Garcia Márquez

Cartagena

Estive em Cartagena neste ano de 2017, marco também comemorativo de outra obra do escritor, o livro “Cem anos de solidão”. E, ao desvendar o mundo dos Buendía, não tardou a ficar claro o que Gabriel Garcia queria dizer, nas palavras de seus tão fascinantes personagens:

“o essencial é não perder a direção”

Cem anos de solidão – Gabriel Garcia Márquez

Cartagena

Felizmente a vida, às vezes, tem sua coerência, quiçá seja isso que ainda mantém as estrelas no firmamento. Embora universal em sua literatura, cidadão do mundo diriam os modernos, Nobel de tantas paisagens, após a morte de Gabo, em 2014, quis os ventos que as cinzas do escritor fossem levadas e deixadas na Cidade de Cartagena de las Índias. E lá estão, tranquilas como uma tarde ensolarada de pouca gente nas ruas.

 

 

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