Idealize o lugar mais incrível que você poderia conhecer, seu paraíso pessoal. Imagine-se viajando para este lugar e me responda: a sua viagem para este lugar perderia um pouco do brilho se você não pudesse fotografar nada? As únicas recordações deste lugar maravilhoso, seja ele qual for, ficariam na sua memória. Isso seria um problema? Sua viagem seria mais ou menos proveitosa por conta disso? Faria falta não poder registrar estes momentos?
Eu sou um fã de carteirinha da fotografia. Poder registrar as coisas, paisagens, pessoas, capturar momentos e olhar pra tudo isso depois é um modo de refazer aqueles momentos visualmente, e não só nas suas memórias. Algumas fotos me colocam num tal estado que muitas vezes eu me transporto praquele lugar de novo e por um momento eu me esqueço de mim mesmo. É uma sensação muito boa.
Só que às vezes tal facilidade, sutilmente, faz com que a gente perca o momento presente.
Sou fã de rock clássico e há algumas semanas fui ao show do Deep Purple, em São Paulo. Quase no fim do show eles tocaram seu maior clássico e um dos grandes clássicos da história do rock, Smoke on the Water, a qual eu cantei junto a plenos pulmões.
“But some stupid with a flare gun
burned the place to the ground
SMOOOOOOOOOKE ON THE WAAAAAAAAAATER,
a fire in the sky!!”
Ao olhar em meu redor nas arquibancadas, um sentimento bem estranho: poucas pessoas cantavam junto, boa parte estava muito mais preocupada em filmar, em registrar o momento. Só que na ânsia de registrar, às vezes a gente não vive o momento. Ao longo do show, várias pessoas davam as costas à banda para fazer selfies. Muitas pessoas ali estavam claramente enfadadas com o show, mas o sorriso na selfie passava o contrário.
O que é mais importante: curtir o show ou passar a imagem de que você estava curtindo? Nunca estive em meio a uma plateia tão apática num show de rock. Não vibrar ao som de Smoke on the Water deveria ser crime passível de multa. 😛
Não me entenda mal. Não estou criticando o “registrar o momento”, até porque eu faço isso mais do que ninguém. Eu escrevo num blog, sempre tenho a preocupação de registrar as coisas em imagens para poder escrever e ter um material fotográfico anexo.
Mas nem o blog, nem a vontade de registrar para recordar depois, deveriam roubar o brilho de realmente viver seja lá o que você estiver vivendo: um show, um espetáculo teatral, uma viagem. E cada vez mais o que se vê são pessoas querendo mostrar aos outros que estão ali, fingir que estão aproveitando, em vez de realmente aproveitar. Exibir passa a ser o ponto central de qualquer diversão.
Lembro que um dos pontos mais magníficos dos Museus Vaticanos foi a Capela Sistina. A grandiosidade e a beleza dos afrescos pintados por Michelângelo está entre as coisas mais impressionantes dos Museus e de Roma como um todo, ainda mais quando você pensa no trabalho que o artista teve pra fazer tudo aquilo. Só que lá não são permitidas fotos. E isso não rouba o brilho do momento, de forma alguma. Eu ainda tenho a imagem do lugar nítida na minha memória. Entretanto, muitas pessoas burlavam a regra e eram chamadas pelo segurança. E a sinalização deixa bem claro que fotos não são permitidas. Há necessidade disso?
Este post não é uma lição de moral, nem mesmo crítica. É mais uma reflexão, como diversas vezes eu faço em relação a mim mesmo. Vou sempre tirar fotos e registrar momentos, até porque eu amo fazer isso, mas espero sempre ter o equilíbrio de não deixar isso roubar de mim o proveito do momento presente, que é o que mais importa.
Em tempo: eu iria para um lugar maravilhoso que não pudesse ser fotografado, sem pensar duas vezes. 🙂