Não lembro bem o trajeto entre o aeroporto Salgado Filho e o centro de Porto Alegre. Mas lá estávamos, meu amigo e eu, nos arredores pouco convidativos da rodoviária, passando por uma rua pouco convidativa que nos levava a uma avenida maior que, depois de alguns quarteirões e depois de dobrar umas duas esquinas, nos levava a uma esquina na qual ficava o nosso hostel.
Era uma viagem curta. Almoçamos em algum restaurante de um shopping nas proximidades e fomos andar. A ideia era andar de barco. Lembro que andamos, andamos e andamos, e chegamos na Avenida Mauá e por ela fomos.
Eu lembro de um céu azul frio, de um sol nublado ainda que o céu estivesse azul. O Cais do Porto não era bem como eu imaginava. A vastidão do Guaíba me remeteu mais a deserto do que a imensidão. O azul se prolongava, mas era um azul de inverno. Ficou claro? Imagino que não. Talvez este tom de azul só exista na minha memória.
Fomos a um lugar em que os barcos estavam muito mais para meio de transporte do que de passeio. Não era o que procurávamos. Fomos a outro, este sim com um apelo turístico, mas o barco só zarparia se houvesse um número mínimo de pessoas. Bem, não havia este número mínimo de pessoas. O que fazer? Seguimos pela Avenida Mauá.
Não sei bem quanto andamos, mas ainda que tenha sido bastante, não tínhamos problemas em andar. Certa vez, este meu amigo e eu andamos por quase uma hora para chegar a um shopping aqui em São Paulo, quando o mais comum seria pegar um ônibus para fazer o trecho. Estávamos acostumados a andar. Andar fazia parte da nossa amizade.
Assim, andamos pela Avenida Mauá.
Não víamos pedestres. Não muitos, pelo menos. Os carros é que cortavam a avenida nos dois sentidos. As nuvens nublavam parte do céu, mas o sol prevalecia. O sol e aquele azul do céu, que parecia o azul do mar, que parecia um azul de inverno.
Chegamos a outro ponto, do qual partia outro barco, que também esperava um número mínimo de pessoas para partir. As chances eram melhores, já havia mais gente e chegávamos para somar, não obstante o número ainda não fosse suficiente. Não lembro quantas pessoas faltavam, mas não eram muitas. Pensávamos que por não faltarem muitas, eles cederiam e zarpariam conosco.
Infelizmente, isto não aconteceu.
O que fazer? Dissemos aos nossos novos companheiros de frustração que tínhamos vindo de outro ponto láááá atrás na Avenida, de onde outro barco poderia partir se houvesse um número mínimo de pessoas. Que custava tentar? Não custava mais do que uma caminhada voltando de onde meu amigo e eu tínhamos vindo. Por que não tentar?
“Está longe?” alguém perguntou.
“Alguns minutos andando”.
Não lembro qual de nós respondeu. Tanto faz. Afinal, andar fazia parte da nossa amizade.
Fizemos o caminho de volta e chegamos ao nosso ponto de partida. O barco só sairia, se saísse, dali a uma hora, então havia um tempo a ser galgado. Conversamos com nossos novos conhecidos. Já vínhamos conversando com eles durante o caminho. Lembro de dois amigos, um cara de Belo Horizonte e outro dali de Porto; mais um grupo de quatro amigos, dos quais duas meninas de Porto Alegre, uma argentina e um cara também ali de Porto.
Os dois primeiros amigos não puderam esperar tanto quanto o barco demoraria a sair, fazer o percurso e voltar. Despediram-se e foram embora.
Éramos agora seis.
Conversamos e compartilhamos o chimarrão. Ali, às margens do Guaíba e com aquelas pessoas que passaram a fazer parte daquela viagem, provei o chimarrão pela primeira vez. Ali, eu aprendi que quando a cuia do chimarrão passa de mão em mão em uma roda de amigos, você deve tomá-la até o fim antes de passá-la ao próximo. Ali, formou-se uma boa memória de viagem.
Estava próximo do horário. Mais duas pessoas chegaram. Não lembro se chegaram mais pessoas além destas últimas, mas o importante é: os caras toparam zarpar. O catamarã ia, afinal, navegar o Rio Guaíba.
As águas e o céu ainda possuíam aquele azul de inverno, mas o astral agora era diferente. O catamarã ia lentamente pelas águas a uma distância que permitia ver tranquilamente toda a arquitetura que despontava em terra firme às margens do Rio Guaíba. Lembro dos daqueles armazéns do Cais do Porto, vistos agora do outro lado. Lembro da estrutura despontando como uma chaminé, na Usina do Gasômetro. Lembro da tarde caindo lentamente.
Conversamos com uma menina de Porto Alegre que não vivia mais ali, mas que amava a cidade. Ela nos falou de vários lugares legais para ir lá. A paixão com que ela falava do lugar faria você ter mais vontade de conhecer Porto do que qualquer texto que qualquer pessoa possa escrever. Não fomos em um décimo do que ela nos havia dito, pois, infelizmente, não havia tempo. Era uma viagem curta, eu disse. Mas a conversa me fez querer voltar, antes mesmo de partir.
Com nossos antes companheiros de frustração, outrora companheiros de chimarrão e agora companheiros de passeio, tiramos fotos e conversamos um pouco mais. Eles nos falaram muito sobre a Cidade Baixa, o bairro boêmio no qual infelizmente não fomos. Infelizmente, era uma viagem curta. Falaram também de outras lugares mas a Cidade Baixa cravou na minha memória e, entre outras coisas e lugares, é um dos motivos pelos quais eu quero voltar lá.
Das poucas pessoas que conheci em Porto Alegre, senti um grande orgulho por parte deles em relação a cidade, e achei isso especialmente bonito.
Aos poucos o sol caía e a tarde ia embora. O azul inverno do céu dava lugar ao azul escuro da noite. Lembro que tocavam algumas músicas no catamarã, mas não lembro quais. Lembro de avistar o Beira-Rio iluminado em tons de vermelho. Lembro de ficar bem triste quando o passeio estava perto de terminar. Lembro de ter pensado que valeu a pena andar pela Avenida Mauá, meu amigo e eu, em busca daquele passeio.
Aquela caminhada nos proporcionou aquele contato com aquelas pessoas que fizeram toda a diferença nas memórias que eu tenho daquela viagem. Lembro de Porto Alegre, do Rio Guaíba e de todos que dividiram aquele catamarã conosco com muito carinho. E lembro bem de andarmos, meu amigo e eu, pela Avenida Mauá, como já havíamos andado pelas ruas de Belo Horizonte embaixo de uma bruta chuva, ou pela Avenida Paulista conversando sobre besteiras, ou como andaríamos muito, com uma baita fome, em busca de algum fondue mais em conta pelas ruas de Gramado, dali um dia.
Afinal, muitas histórias de viagem nascem assim, andando.
E andar sempre foi parte da nossa amizade.