No momento em que eu pisei na cidade de Veneza, eu já sabia mais ou menos o que ia encontrar, mas não exatamente como eu ia me sentir. Isso porque a sensação é sempre uma surpresa, por mais que você tenha uma boa noção do que o espera em um lugar novo.
E a sensação já começa mesmo antes de pisar na cidade inundada propriamente dita. O trem corta a água em seus trilhos sob uma estreita faixa de terra e, ao olhar pela janela, você se vê cada vez mais próximo de uma ilha com tanta história e que tanto mexeu com o imaginário de poetas e viajantes ao longo dos tempos.
Ao sair da estação de trem Santa Lucia, a segunda visão impactante de Veneza: o Grande Canal. Assim, de cara. À minha frente, na margem oposta do canal, uma bonita cúpula esverdeada, da igreja que depois eu descobri se chamar San Simeone Piccolo; à esquerda, uma ponte para a outra margem e para as primeiras fotos da cidade.
O hotel era ali perto e as proximidades da estação estavam apinhadas de gente. Antes de jantar, fiz uma curta caminhada para a outra margem, mais calma. Alguns barquinhos estacionados, flores aqui e ali, os restaurantes se preparando para receber seus clientes, dali ou doutras partes do mundo. Voltei à margem da estação de trens por uma outra ponte. A noite caía.
Depois de jantar, com a noite sobre a cidade, saí para caminhar.
Permiti a mim mesmo me perder naquela cidade que convida todos a se perderem pelas suas ruas e vielas estreitas. Naquelas vielas escuras, algumas com poucas pessoas, outras desertas, muitas vezes minhas cismas e neuroses de paulistano que sempre toma cuidado com a violência à espreita teimavam em não me deixar.
Alguns minutos de caminhada me fizeram sentir e me lembrar de que não, eu não estava em São Paulo. E sim, estava ok andar por aquelas vielas desertas à noite, com o barulho do vai e vem da água batendo nas paredes dos edifícios.
Meu intento era alcançar a Praça São Marcos, êxito o qual eu logrei depois de algum tempo seguindo as plaquinhas simpáticas de Veneza, que diziam “Per Piazza San Marco”. Quanto maior o número de pessoas pelas ruas, mais eu sabia que estava próximo. Cruzei uma ruela, outra, atravessei uma rua um pouco maior e lá estava.
A Basílica de São Marcos.
E lá estava o enorme vão da Piazza San Marco.
A praça era emoldurada pelas luzes dos edifícios que a contornavam e embalada pelas canções quem bons instrumentistas tocavam em um dos restaurantes. Como muitos, parei para admirar a música. Quando aqueles senhores de terno tocaram “What a Wonderful World”, era como se eles estivessem traduzindo exatamente o que eu sentia naquele momento.
Que mundo maravilhoso.
Caminhando pela piazza, passando pelo Pallazzo Ducale, dei uma espiada da borda da praça que dava para o canal. Olhei para a outra margem, voltei meu olhar para a praça e voltei para o hotel, feliz.
No outro dia, minha caminhada da manhã tinha como destino a Ponte Rialto.
Depois de andar sem pressa pelas ruas, alcancei o destino e me frustrei, pois a ponte estava em reforma. Comecei a andar ao longo do canal e dos canais, enquanto os gondolieri levavam casais e grupos de turistas para passear. Após andar ao longo do canal e por entre ruas e lojinhas, lá estava eu de volta à Praça São Marcos, desta vez à luz do dia.
A neblina estava espessa e mal se enxergava qualquer coisa ao longo do canal. Peguei a fila para entrar na Basílica de São Marcos e, ao adentrá-la, confesso que não gostei do que vi, não porque fosse feio, mas porque fosse diferente. O interior me passou um algo de opressão e tristeza, não obstante fosse um interior de muita personalidade. É uma igreja bem característica, só estando lá dentro para entender. Fotos não são permitidas.
Ao sair da igreja, a neblina havia se dissipado.
Sentei em uns degraus que davam para o canal. À minha frente, lindos barcos estacionados. Ao meu lado, duas meninas fumando. Acima, o céu azul com poucos resquícios de nuvens brancas. Na praça, dezenas e dezenas de pessoas, caminhando, fazendo fotos. Depois de um bom tempo ali sentado, voltei, seguindo as plaquinhas que me direcionavam “Alla Ferrovia”.
No caminho, fiz uma breve parada para o almoço.
Seguindo, passei por músicos de rua, por turistas, por venezianos. Estava um dia bonito. Era primavera, era terça-feira, era dia de ir embora. Depois de dobrar várias ruas, subir e descer por várias pontezinhas, cheguei à estação de trem com folga. Meu trem para Roma sairia somente dali a uma hora.
Sentei-me nuns degraus, defronte ao Grande Canal de Veneza.
Diante de mim, a mesma paisagem que havia me recepcionado na chegada à cidade. Vaporetos passavam, e, nas pontes, pessoas fotografavam e se fotografavam. À minha esquerda e à minha direita havia outras pessoas, sentadas, olhando tudo e nada.
Senti-me calmo, realizado e, acima de tudo, grato.
Grato a Deus por poder ver cidades e coisas lindas como as que eu vira naqueles dias. Grato por poder conhecer um pedacinho novo do velho mundo. Grato por aquela viagem, grato pela vida, grato por tudo.
Passaram-se talvez uns 40 minutos, enquanto eu contemplava o canal e me despedia silenciosamente de Veneza. Com a promessa, também silenciosa, de retornar àquela cidade linda e curiosa.
Promessa de retornar um dia, e por mais dias, à Sereníssima Veneza.