Em Paris… flanando pelas ruas do quartier

Resenha do livro Paris: Quartier Saint-Germain-des-Prés, de Eros Grau

Este post foi escrito ao som de Dans la chaleur des nuits de pleine lune, de Pauline Croze.

(…)

“Monsieur, vous êtes du quartier?”

Neste começo de ano, como de hábito, elaborei minha lista de livros para serem lidos em 2020. Novamente, quase seguindo um hábito também, bastou uma visita ao sebo do Messias, no centro de São Paulo, que me vi com um livro novo, não contemplado no planejamento, mas que ganhou preferência por força do tema – Paris – ou da casualidade – mais leve e tranquilo para um início de temporada. Uma leitura de verão ou de banco de praça.

Fato é que falar de Paris me interessa. Cidade que abraça tantos visitantes e, por isso mesmo, porta-se como mensageira do novo, não perdendo, é verdade, sua boa forma em guardar o que é velho. Será? Foi por isso que, quando peguei o livro Paris, quartier Saint-Germain-des-Prés de Eros Grau, logo veio a minha cabeça a Paris lado B, lado C… quantos lados mesmo tem o mundo? Pois, o assunto não acaba se quisermos nos enveredar pelas ruas, cafés e bistrôs que não estão nos guias estrelados, mas que genuinamente fazem a graça dessa cidade ser o que é: belíssima. Mas, preciso corrigir-me, pelo que o professor Grau ensina muito bem, e já passo a lição, dentre tantas outras aprendidas neste livro:

“Paris não é uma grande cidade, sequer uma cidade. Basta-se em ser um conjunto de pequenas vilas (…) Quem está por aqui, em Saint-Germain-des-Prés, está ao lado do mundo, a um pé de Paris. Paris é maior do que o mundo”.

Uma típica esquina de Paris

Todavia, preciso advertir o leitor: Não se trata de um guia turístico. E na classificação do catálogo sistemático os textos entram como crônicas. E são, pois ao longo do livro as impressões memorialistas ganham força, os trechos de diário sobem, transbordam sobre a visão comum que a paisagem sugere, percorre anos no mesmo espaço, dando à obra um toque bastante pessoal. Alguns irão gostar (eu) e outros se perderão entre as muitas citações de ruas, cafés, nomes e lugares, e podem até não gostar da brincadeira. Mas, a obra contribui, e nos traz um pouco da intimidade ao passar por lugares incomuns ou que guardam histórias enceradas pelo tempo. É um exercício de perscrutar a origem da origem no encalço das coisas. É assim que Eros conecta os fios perdidos da ‘rue du Dragon‘ à ‘rue Saint Benoît‘, ou a história de cafés famosos e as ilustres ‘personas’ que o tempo plasmou.

O que Eros Grau quer comunicar ao leitor é o seu quartier, sua visão intimista, seu flanar pela cidade e o flanar da cidade, diante de seus olhos, quando sentado em um café. E ele se insere neste quadro germanopratin, percorrendo “limites afetivos” com seu cachimbo e sua bengala.

“Gosto que as nossas janelas se abram para a rue du dragon. Morar na rue de Rennes, isso nos daria um ar cosmopolita. Somos provincianos”.

E, de tantas referências, situações, anotei algumas para, quem sabe um dia, eu possa testar in loco os endereços habitué do professor. Um almoço no La Locanda (italiano) parece ser uma boa ideia, ou na Pizzaria Vesuvio (uma opção estratégica, se for verão), bem como comprar macarrons no Pierre Hermé. Um jantar? Brasserie Lipp (francês). Parece um lugar carregado de história, mas que ainda não tem uma lojinha de souvernis. Um lugar frequentado por figurões da cena política francesa, revelando também o lado de ministro de Eros Grau, por força de quando foi juiz do STF. Sobre o Lipp, situa:

“Antoine Pinay, primeiro-ministro da França entre 1952 e 1953, disse uma vez que os governos caem na Câmara dos Deputados, mas se fazem no Lipp”.

Talvez seja melhor avançar por um terreno mais poético e menos classudo, então, que tal visitar uma livraria? Le Tiers Mythe, que em si parece um sebo, com seus livros quase desmoronando das estantes, deve ter relíquias entre poeiras. Todos estas dicas estão no quartier Saint Germain-Des-Prés e sugerem um tour agradável por este bairro de Paris. Algo realmente incrível das sugestões do Professor Grau é que junto ao lugar vem sempre acompanhado uma variedade de pessoas e personagens que permeiam histórias e memórias. Estes lugares servem para colecionar pessoas, amigos… mon cheri.

Paris sob o sol do outono

Por outro lado, alguns lugares clássicos são rechaçados, a saber, o célebre Le Procope (considerado o primeiro café do mundo, fundado em 1686), visto por Grau como “desfigurado”, “para turistas”, ou até mesmo Les Deux Magots, outro clássico preterido pelo professor, que tem um desejo escancarado pelo, também clássico, Café de Flore, sobre o qual João Correia Filho nos chama a atenção para o fato de que “a maioria das mesas já tem o jornal do dia à espera de um leitor”, e que foi outrora bastante frequentado por Jean-Paul Sartre. Tão querido este café é para o professor Grau, que ocupa três capítulos do livro.

Mas, completo aqui, com a ajuda do livro À luz de Paris – Guia turístico e literário da capital francesa, de João Correia Filho, que o quartier guarda outras valiosas referências, como a Abbaye de Saint-Germain-des-Prés, reconhecida como a mais antiga igreja de Paris, datada de 542. Além disso, um intimista museu dedicado a Eugène Delacroix, importante pintor do romantismo francês, onde é possível ver duas das paletas usadas por ele, bem como, o museu que já se tornou referência – Musée D’Orsay – para apreciadores da escola impressionistas e expressionistas, com variadas obras de pintores como Monet, Manet, Renoir, Van Gogh, Degas etc.

São memórias de um passado que já se esvai (alguns lugares já fecharam, garçons se aposentaram…). Depois, a constatação das mudanças, estranhas mudanças, como a loja de discos de vinil Raoul Vidal, que fechou e hoje é ocupado pela Cartier, ou o Drugstore onde hoje está a porta do Armani. Penso eu que Paris vai se tornando uma cidade cada vez mais cara, de luxo, com bolsas na vitrine que serão compradas, provavelmente, por asiáticas. Faz-me lembrar também da crônica “Na praça da Bastilha”, de G. K. Chesterton, na qual ele sintetiza bem este sentimento “A França sempre esteve a ponto de dissolver-se. Encontrou o único método da imortalidade: ela morre diariamente”. Uma pequena provocação, entre jacobinos e girondinos, mas que não deixa de ter lá sua verdade. E Nesta triste constatação, Eros desabafa:

“A Latreille, no número 62 da rue Saint-André-des-Arts, onde eu comprava suspensórios, meias e gravatas, virou um coffee shop americano. Há pessoas comendo hot dogs e bebendo coca-cola onde ficavam meus suspensórios… isso me revolta, me deixa indignado. Inutilmente, contudo”.

Já finalizando, na leitura deste livro, percebi que, na medida em que avançava pelas páginas, as memórias e os relatos iam se tornando mais subjetivos, com sutis toques de poesia (será o vinho a fazer efeito?). A escrita se torna solta, não segue roteiro, ou se o faz, encanta-se em se perder.

“À noite, sobretudo se não é sexta ou sábado, a partir da uma da manhã a rua resta silenciosa, a ponto de apenas ouvirmos, pela janela aberta, não mais do que o toc-toc de uma mulher de saltos altos, uns passos de quem a acompanhe e, eventualmente, o ruído de um fósforo sendo riscado para acender um cigarro. Se a poesia assumisse alguma expressão palpável, se a poesia fosse neve, então seria tanto, tanto dela que as ruas do quartier resultariam intransitáveis. Abriríamos a janela para vê-la cobrindo seus telhados”.

REFERÊNCIAS:

  • CHESTERTON, G. K. Tremendas Trivialidades. Tradução de Mateus Leme. Editora Ecclesiae. 2012.
  • CORREIA FILHO, João. À luz de Paris: guia turístico e literário da capital Francesa. São Paulo. Editora LEYA. 2012.
  • GRAU, Eros. Paris: quartier Saint-Germain-des-Prés. Editora Globo. 2011.

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